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Por que as mulheres tiram notas mais baixas no ENEM?

Foto do escritor: Amanda Lucatto MarraAmanda Lucatto Marra

Atualizado: 16 de mar. de 2021

No Brasil há uma crescente preocupação com as diferenças e desigualdades de gênero para que seja possível diminuir e eliminar essa situação, que notoriamente prejudica mulheres, seja nos âmbitos pessoais ou profissionais.


O objetivo desta análise é, através dos dados do ENEM 2019, tentar compreender como o recorte de gênero e de classe pode explicar parte dessa desigualdade, a partir dos resultados das avaliações da Nota Total (soma de todas as notas) e do perfil dos candidatos.


Nossa análise será realizada utilizando como fonte uma amostra estatística dos dados do ENEM 2019, considerando apenas os candidatos que realizaram ao menos uma prova.


Analisando os dados por gênero


Considerando que a população brasileira tem uma relação de 51% de mulheres e 49% de homens [1], é possível identificar uma discrepância nesta relação entre as pessoas que prestaram o ENEM em 2019: 60% de mulheres e 40% de homens.


Avaliando a distribuição da Nota Total do país com o recorte de gênero, temos que em geral as mulheres apresentaram notas levemente mais baixas que os homens.

Mas por que isso acontece?

Para buscar essa resposta, vamos analisar o impacto da classe econômica dos candidatos na Nota Total.


Classe econômica


Se olharmos a distribuição da Nota Total dos candidatos de acordo com a sua classe econômica, notamos que existe uma forte correlação entre a classe econômica do candidato e a sua nota no ENEM, conforme evidenciado no gráfico abaixo, onde as classes econômicas estão divididas conforme a renda familiar dos candidatos.


Refazendo este gráfico, porém inserindo o recorte de gênero, fica evidente que a desigualdade de gênero é maior nas classes com renda familiar mais baixa.


Nas classes onde a renda familiar é inferior a R$1,5 mil, há uma tendência de que as mulheres tenham nota mais baixas que os homens.

No entanto, a partir da faixa de renda familiar maior que R$2,5 mil, as mulheres passam a apresentar resultados igualitários ou até superior ao dos homens.

De agora em diante denominaremos o grupo onde a renda familiar é menor que R$ 1,5 mil de Grupo "Renda Baixa", que será o enfoque de nossa análise.


E como esses candidatos estão divididos nessas classes econômicas?


Aqui vemos que a grande maioria dos candidatos faz parte do Grupo "Renda Baixa" e que a discrepância na proporção entre gêneros também é maior neste grupo, o que fica evidente se analisarmos o gráfico da proporção de mulheres em cada classe econômica a seguir.


Aqui vemos que existe uma presença consideravelmente maior de candidatas mulheres nas classes econômicas mais baixas. Por isso, não podemos fazer análise com recorte de gênero sem considerar a classe econômica. E quem são essas mulheres das classes econômicas mais baixas? Para complementar esta análise, vamos olhar com mais detalhe para esse grupo, começando por descobrir em que Estado elas moram. Para isso, vamos olhar a distribuição de mulheres do Grupo "Renda Baixa" por Estado.

Neste gráfico vemos que a maior quantidade de mulheres de classe baixa se concentra na Região Nordeste do pais, principalmente no Estado da Bahia.

Por isso, vamos analisar os dados deste Estado com mais detalhe.


Bahia e seus aspectos econômicos e de gênero


Vemos que a diferença proporcional entre homens e mulheres fazendo ENEM na Bahia é ainda maior que olhando o Brasil como um todo.


Comparando a distribuição das notas da Bahia com a distribuição das notas no Brasil, vemos que as primeiras possuem uma mediana levemente menor, mas que replicam seu comportamento.



Neste caso, as mulheres continuam apresentando notas levemente menores que os homens. E como as notas dessas pessoas estão distribuídas considerando suas classes econômicas?


Nesta análise vemos que a tendência de mulheres com notas menores é presente apenas no Grupo "Renda Baixa", passando a ser mais igualitárias na classe com renda familiar maior que R$1,5 mil. [2]

Olhando para o Brasil no geral, notas mais próximas entre homens e mulheres começam a aparecer em grupos de renda superiores a R$2,5 mil, enquanto na Bahia as notas mais iguais já são vistas a partir de R$1,5 mil, ou seja, no limite do Grupo "Renda Baixa".

Este efeito sugere que a renda isoladamente não explica a discrepância das notas por gênero, mas a desigualdade social, ou seja, a posição marginalizada dessas mulheres na sociedade parece sim ter maior influência no seus desempenhos no ENEM 2019.

Mas, por que essas mulheres mais marginalizadas apresentam notas menores? Inspirada no recente trabalho do Laboratório Think Olga chamado "Economia do Cuidado" [3], surge a dúvida:

Será que as notas destas mulheres estão sendo afetadas pelo tempo dedicado aos afazeres domésticos e ao cuidado?


Desigualdade de gênero e afazeres domésticos


Buscando pela base de dados utilizada pelo Laboratório Think Olga, encontramos algumas tabelas-resumo [4]. Apesar desta base ser de 2016, não se espera que existam diferenças significativas para o objetivo desta análise.


Reproduzindo o gráfico de horas dedicadas a afazeres domésticos e cuidados feito pelo Think Olga, de maneira geral temos que no Nordeste as mulheres gastam cerca de o dobro de horas nestes afazeres, a mesma situação do Brasil como um todo.



Porém, comparando com cada uma das regiões do país, vemos que no Nordeste as mulheres dedicam ainda mais horas em afazeres do que a média em outras regiões.




E qual é o comportamento das horas dos homens em relação aos afazeres domésticos?



Aqui vemos que os homens no Nordeste não apresentam a mesma tendência que as mulheres, e pelo contrário, estão ligeiramente abaixo da média brasileira.




Estes dados sugerem que, pelo fato de na Região Nordeste as mulheres dedicarem mais tempo aos afazeres domésticos que a média geral, elas provavelmente tem menos tempo disponível para outras atividades, incluindo para seus estudos, o que pode comprometer seus desempenhos no ENEM, evidenciado na diferença das notas do Grupo "Renda Baixa".


Conclusão


A análise apresentada neste relatório indica que candidatos com rendas familiares mais baixas tendem a tirar notas mais baixas no ENEM. Dentro destas classes mais baixas foi possível notar uma desigualdade de notas de acordo com o gênero. Esta desigualdade de gênero, entretanto, não é vista nos grupos com renda familiar mais alta.


Além disso, este estudo também evidenciou que a diferença de classe econômica, notadamente para o grupo de mulheres marginalizadas no Grupo "Renda Baixa" da Bahia, tem maior influência nos resultados de suas provas, não sendo a renda necessariamente o fator decisivo para as notas mais baixas.


Para sustentar a conclusão foi apresentado também que na Região Nordeste as mulheres dedicam mais tempo aos afazeres domésticos que a média das mulheres brasileiras, o que possivelmente acarreta em menos tempo disponível para seus estudos.


Portanto, o desempenho destas mulheres no ENEM 2019 pode ter ligação direta com o tempo insuficiente dedicado aos estudos, devido à desigualdade de gênero na dedicação a afazeres domésticos nas classes econômicas mais baixas.


Uma forma de combater este tipo de desigualdade é investir em políticas culturais e educacionais que diminuam papéis de gênero, ou seja, a associação de atividades específicas exclusivamente para mulheres ou homens.


Próximos passos


Para aprofundar esta análise pesquisas adicionais serão realizadas utilizando os dados do IBGE [5], onde se encontram bancos de dados com informações sobre formas de trabalho, município, Estado, gênero, entre outras.


Adicionalmente, uma indagação que fica é que, independente do recorte de nota, por que mais mulheres prestaram o ENEM 2019? Talvez, as bases de dados aqui apontadas também apresentem respostas para esta indagação.


Fontes e Referências



[2] Os dados das classes com renda familiar superior a R$5 mil do Estado da Bahia devem ser desprezados da análise por não apresentarem mais representatividade estatística. No entanto, isto não afeta a nossa análise por não estarmos analisando as classes superiores naquele momento, pois estas já apresentaram igualdade nos dados nacionais.






[7] Dentro do contexto desta análise, as informações relevantes das tabelas-resumo de [4] foram sintetizadas em um único arquivo CSV e disponibilizado no endereço: https://github.com/alucatto/an_genero_enem/raw/main/GeneroRegiao.csv


[8] Notebook do Google Colab utilizado para realizar esta análise: https://colab.research.google.com/drive/1FuTg3kPLP7Hb87pK2b96frKwa8opVyht?usp=sharing



Esta análise foi publicada em parceria com a advogada de direito da mulher Camila Medeiros e pode ser encontrada também no seguinte link: https://camilamedeiros.adv.br/blog/2020/11/12/por-que-as-mulheres-tiram-notas-menores-no-enem/


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©2020 por Amanda Lucatto Marra.

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